Reportagem escrita
A minha escola primária
Em
Viana do Castelo, na freguesia de Perre, uma escola primária guarda
entre os seus muros imensas estórias e aventuras de alunos e
professores. Esta escola formou pessoas e mentalidades e foi uma segunda
casa para quem por lá passou. Agora está abandonada.
Era uma vez uma escola…antes do 25 de abril de 1974
A
Escola Primária de S. Gil, uma construção do estilo Estado Novo, abriu
portas a 3 de setembro de 1962 com 80 alunos divididos por duas salas,
uma com 40 rapazes e outra com 40 raparigas e uma professora em cada
uma.“No meu tempo, as meninas e os meninos estavam separados, havia um
muro com cerca de 1m que dividia a escola ao meio, as raparigas ficavam
do lado direito e os rapazes do lado esquerdo.”, descreve o ex-aluno e
atual Presidente da Junta de Freguesia de Perre, Vasco Cerdeira.
O recreio que circundava todo o edifício era dividido por um muro. Os meninos brincavam separados das meninas, “só nos juntávamos quando tínhamos autorização das professoras e em ocasiões muito especiais”, recorda Rosa Silva. Para a ex-aluna, o recreio era a parte favorita da maioria dos alunos. “Era [aí] onde podíamos brincar um bocadinho e não levava porrada”, conta a atual costureira. Jogavam à bola, ao espeto, ao lencinho, às corridinhas, às escondidas, à meca, ao ‘dá-me lume’, ao arco, à apanhada, cabra cega, ao jogo da roda, à corda, faziam castelos na areia e brincavam com pedras. Estas eram algumas das brincadeiras das crianças no período de recreio. Já a antiga aluna Maria José Cunha elege a sala de aula como o seu sítio preferido.
Ana Maria Garcia, a primeira professora, recorda-se perfeitamente das instalações que a acolheram: “Os átrios eram muito frios e até chuva entrava. Na sala havia única e simplesmente a secretária da professora e as carteiras dos meninos. Nem estantes tínhamos para guardar as coisas”. Recordações tem também Rosa Silva. A antiga aluna lembra: “As carteiras eram das antigas, o banco atrás e a mesa à frente com os tinteiros, ainda escrevíamos com aparos. Não havia livros, não tínhamos cadernos para escrever”. As salas tinham um crucifixo, um estrado de madeira, um quadro preto e uma salamandra que não era suficiente nos dias de inverno. Outra antiga estudante, Paula Gigante, salienta que as salas de aula “tinham os aquecimentos mas eram frias”. As casas de banho eram bastante antigas, “nem tinham sanitas. Eram aquelas bases onde se punham os pés”.
Em termos de instalações e material escolar, as salas de aula eram muito pobres. Vasco Cerdeira aponta que o nível de ensino era baseado em ‘decorar a matéria’. “Sabíamos os rios e os seus afluentes de cor, os transportes ferroviários, as serras de Portugal, a tabuada”, conta. A aprendizagem, apesar de reduzida e decorada, era tratada com mais profundidade.
O recreio que circundava todo o edifício era dividido por um muro. Os meninos brincavam separados das meninas, “só nos juntávamos quando tínhamos autorização das professoras e em ocasiões muito especiais”, recorda Rosa Silva. Para a ex-aluna, o recreio era a parte favorita da maioria dos alunos. “Era [aí] onde podíamos brincar um bocadinho e não levava porrada”, conta a atual costureira. Jogavam à bola, ao espeto, ao lencinho, às corridinhas, às escondidas, à meca, ao ‘dá-me lume’, ao arco, à apanhada, cabra cega, ao jogo da roda, à corda, faziam castelos na areia e brincavam com pedras. Estas eram algumas das brincadeiras das crianças no período de recreio. Já a antiga aluna Maria José Cunha elege a sala de aula como o seu sítio preferido.
Ana Maria Garcia, a primeira professora, recorda-se perfeitamente das instalações que a acolheram: “Os átrios eram muito frios e até chuva entrava. Na sala havia única e simplesmente a secretária da professora e as carteiras dos meninos. Nem estantes tínhamos para guardar as coisas”. Recordações tem também Rosa Silva. A antiga aluna lembra: “As carteiras eram das antigas, o banco atrás e a mesa à frente com os tinteiros, ainda escrevíamos com aparos. Não havia livros, não tínhamos cadernos para escrever”. As salas tinham um crucifixo, um estrado de madeira, um quadro preto e uma salamandra que não era suficiente nos dias de inverno. Outra antiga estudante, Paula Gigante, salienta que as salas de aula “tinham os aquecimentos mas eram frias”. As casas de banho eram bastante antigas, “nem tinham sanitas. Eram aquelas bases onde se punham os pés”.
Em termos de instalações e material escolar, as salas de aula eram muito pobres. Vasco Cerdeira aponta que o nível de ensino era baseado em ‘decorar a matéria’. “Sabíamos os rios e os seus afluentes de cor, os transportes ferroviários, as serras de Portugal, a tabuada”, conta. A aprendizagem, apesar de reduzida e decorada, era tratada com mais profundidade.
Era uma vez uma escola…após o 25 de abril de 1974
“A
escola era mais ou menos como é hoje”, afirma Vasco Cerdeira, apesar de
já não existir o muro e terem sido construídos um pequeno ginásio e uma
biblioteca em 1997. Ana Maria Dantas, antiga professora e última
diretora descreve a escola como “muito agradável”. Em 1984, ano em que
Maria José Cunha entrou na escola, ainda existiam algumas carteiras de
lousa, “aquelas carteiras antigas para pôr os tinteiros”, aquelas que
eram as suas favoritas.
Com o aumento do número de alunos houve uma necessidade de aumentar as turmas, passando portanto a existir quatro turmas e quatro professoras, em horário de regime duplo. Como conta a professora Ana Maria Dantas, as aulas começavam às 8h30 e terminavam à 13h00, depois das 13h30 às 18h00, sendo que duas turmas tinham aulas da parte da manhã e as outras duas da parte de tarde.
Em termos de recursos materiais, a escola já estava mais desenvolvida. “Tínhamos material didático para a época já muito acessível e bom para os miúdos”, refere a professora Ana Maria Dantas.
Em relação às mudanças registadas no ensino em Portugal após o 25 de abril de 1974, a professora Ana Maria Garcia explica que as alterações ocorridas foram “muito radicais”, tendo existido ”ideias muito disparatadas”. Para a professora, a educação sexual não fazia sentido na escola primária, considerando que “era muito cedo”. O término dos ditados é outra das ideias rejeitadas por Ana Maria. “[Diziam que este método] era contraproducente. É por isso que muito boa gente escreve com erros”, contesta. A professora considera que essa época foi muito favorável ao conhecimento do mundo exterior que até então era quase desconhecido, mas lamenta que a matemática e o português tenham sido descurados. A este respeito, Ana Maria considera que preparavam“os miúdos para o futuro” e que “iam preparados para o liceu”. A professora considera que o ensino de antigamente era muito mais minucioso e muito mais exigente em comparação ao ensino de hoje. “Os programas foram alterados a nível de metodologia e a nível de conhecimentos”, corrobora a professora Ana Maria Dantas, acrescentando que “ [antigamente] havia uma melhor facilidade de consolidação dessa matéria e iam melhor preparados para ingressarem nos anos seguintes”.
Com o aumento do número de alunos houve uma necessidade de aumentar as turmas, passando portanto a existir quatro turmas e quatro professoras, em horário de regime duplo. Como conta a professora Ana Maria Dantas, as aulas começavam às 8h30 e terminavam à 13h00, depois das 13h30 às 18h00, sendo que duas turmas tinham aulas da parte da manhã e as outras duas da parte de tarde.
Em termos de recursos materiais, a escola já estava mais desenvolvida. “Tínhamos material didático para a época já muito acessível e bom para os miúdos”, refere a professora Ana Maria Dantas.
Em relação às mudanças registadas no ensino em Portugal após o 25 de abril de 1974, a professora Ana Maria Garcia explica que as alterações ocorridas foram “muito radicais”, tendo existido ”ideias muito disparatadas”. Para a professora, a educação sexual não fazia sentido na escola primária, considerando que “era muito cedo”. O término dos ditados é outra das ideias rejeitadas por Ana Maria. “[Diziam que este método] era contraproducente. É por isso que muito boa gente escreve com erros”, contesta. A professora considera que essa época foi muito favorável ao conhecimento do mundo exterior que até então era quase desconhecido, mas lamenta que a matemática e o português tenham sido descurados. A este respeito, Ana Maria considera que preparavam“os miúdos para o futuro” e que “iam preparados para o liceu”. A professora considera que o ensino de antigamente era muito mais minucioso e muito mais exigente em comparação ao ensino de hoje. “Os programas foram alterados a nível de metodologia e a nível de conhecimentos”, corrobora a professora Ana Maria Dantas, acrescentando que “ [antigamente] havia uma melhor facilidade de consolidação dessa matéria e iam melhor preparados para ingressarem nos anos seguintes”.
Era uma vez… Memórias de infância
Vanessa
relembra, alegremente, “um casamento imaginário que realizaram lá e a
invenção dos cartões para poder entrar na escola”. Estas foram algumas
das suas melhores memórias do seu tempo de escola.
As festas e os convívios no monte, onde juntos faziam teatros e levavam o farnel para fazer piqueniques são as melhores memórias de Paula Gigante. “Lembro-me das festinhas que a gente fazia, dos convíviozinhos nas festinhas de natal e dos piqueniques que fazíamos juntos, onde cada qual levava o seu farnelzinho”, recorda.
As festas e os convívios no monte, onde juntos faziam teatros e levavam o farnel para fazer piqueniques são as melhores memórias de Paula Gigante. “Lembro-me das festinhas que a gente fazia, dos convíviozinhos nas festinhas de natal e dos piqueniques que fazíamos juntos, onde cada qual levava o seu farnelzinho”, recorda.
Era uma vez… uma estória de encantar…
“Tenho
uma história muito bonita para contar. A mais bonita da minha
carreira”, começa a professora Ana Maria Garcia. O José era seu aluno e
andava na 2ª classe. Não se lembrava do último nome. Um dia de verão,
perto das férias, saiu da escola e foi para casa como era hábito. A
criança decidiu fazer uma cevada e no momento em que pega na cafeteira,
entornou a água a ferver em cima de si. Foi levado para o hospital e o
médico, negligente, deu-lhe uma injeção errada que o deixou paraplégico e
“voltou para casa sem esperança de cura”, tal como relata a professora.
No início das aulas, a mãe foi falar com a professora para a informar
do sucedido e dizer-lhe que o menino não iria frequentar mais a escola.
Ana Maria não concordou e fez-lhe uma proposta: pediria aos meninos da
4ª classe para o ir buscar a casa e levá-lo no final das aulas, ao colo.
Na sala faria o que pudesse e ficava numa carteira encostada à parede e
do outro lado teria sempre um colega para o apoiar caso descaísse. A
professora achava que o menino não podia ficar em casa todo o dia na
cama. “ [Sozinho] pode não ser capaz de escrever, mas está aqui no meio
dos outros”, argumentou. “Um dia [o José] foi-se queixar à mãe que eu
nunca lhe dava bolos. Sentia-se diferenciado. Então eu fingia que lhe
dava”, recordou a professora. Com o passar do tempo Ana Maria obrigava-o
a ir mostrar os trabalhos à sua secretária. Também começou a ir ao
quadro, sempre com dois colegas de cada lado para o ajudar. No recreio
brincava como os outros alunos. Na altura do Natal, Ana Maria soube que
uma associação, juntamente com um jornal, ofereciam presentes aos
meninos que escrevessem uma carta. O José pediu uma cadeira de rodas.
Todos os meninos receberam os seus brinquedos e o José não recebeu nada.
A professora indignou-se e escreveu uma carta a dizer que era o que
mais precisava e foi o que ficou sem nada. Ana Maria procurou atenuar a
situação: “Eu comprei-lhe um brinquedo para que ele não ficasse triste”.
Mais tarde mandaram-lhe uma cadeira de rodas e um subsídio que recebeu
até ao final da 4ª classe. “O mais bonito ainda foi que ele mal usou a
cadeira de rodas. Com os exercícios que fez e com a graça de Deus saiu
da escola a andar e fez a 4ª classe com distinção!”, contou orgulhosa.
Era uma vez… uma escola no presente
“Lembro-me perfeitamente que no 4º ano éramos 8”, recorda com tristeza uma das últimas alunas da escola, Vanessa Fonte. Em
2006, a Escola Primária de S. Gil não contava sequer com uma dezena de
crianças, uma vez que esta já tinha encerrado as suas portas para
possíveis novos alunos.
Dois anos antes, a instituição contava com cerca de 20 alunos, facto que contribuiu para o futuro encerramento definitivo da escola. “Os alunos foram diminuindo aos poucos”, aponta ainda Vanessa. Vera Freixo, outra antiga aluna que saiu da escola em 2004, refere que na sua classe eram “apenas quatro alunos”.
Para além da redução do número de alunos, outro fator que levou ao encerramento da escola de S. Gil, em 2006, foi a existência de outra escola primária na freguesia. A Escola Primária do Calvário era um edifício maior, com mais condições e com uma maior capacidade para acolher um número mais elevado de alunos. “A escola de cima [Escola do Calvário] tinha melhores condições que a nossa, bastava ter cantina”, comparou a professora Ana Maria Dantas.
O encerramento da Escola Primária de S. Gil não foi um caso único tanto no distrito de Viana do Castelo como em Portugal. Desde 2002, a reestruturação da rede escolar tem sido uma constante no sistema educativo português. A desadequação das instalações, o isolamento do trabalho docente, as limitadas oportunidades de socialização dos alunos e as carências registadas ao nível dos resultados escolares são os argumentos utilizados pelo Governo para justificar o encerramento de milhares de escolas do primeiro ciclo do ensino básico. Esta reorganização da rede escolar determinou o encerramento das escolas com menos de 10 alunos.
Estes encerramentos levaram a uma luta constante por parte das juntas de freguesia para evitar que as escolas fechassem e, posteriormente, fossem deixadas ao abandono. A Junta de Freguesia de Perre assinou um protocolo, de 10 anos, com a Câmara Municipal de Viana do Castelo para que lhe fosse cedida a escola de S. Gil. Desta forma, a instituição podia ser usada pelas Associações Culturais da freguesia. “A junta e a assembleia de freguesia já decidiram o que fazer com a escola, cede-la às duas únicas associações desta terra que se mostraram interessadas em dispor dela. Terão condições de exercer a atividade deles. Mas não é algo definitivo, são contratos de dois anos e vão-se renovando”, explica Vasco Cerdeira, enquanto atual Presidente da Junta de Freguesia.
Contudo, um ano depois da assinatura do protocolo com a Câmara Municipal, a escola de S. Gil não foi entregue à Junta de Freguesia e é utilizada pela “Marionetas, Atores e Objetos” (MAO), uma associação cultural de Viana do Castelo. Esta apropriação do edifício é, de certa forma, ilegal porque foi feito um pedido formal pela junta de freguesia para que esta associação abandonasse as instalações. Por outro lado, também não beneficia a população da freguesia de Perre, uma vez que se trata de uma associação do distrito que não contacta com a população local.
O encerramento da escola de S. Gil não agradou aos antigos alunos e professoras. “Fiquei bastante dececionada porque é e sempre será a escola da minha infância e custa ver que agora não passa de uma casa abandonada”, lembra, com mágoa, Vera Freixo. A antiga aluna acrescenta ainda que “foi estranho não ter o movimento e o barulho das crianças que antes era habitual”. Um local onde emanava alegria e afetividade entre professoras e alunos, tornou-se um local completamente diferente. Para a professora Ana Maria Dantas “perdeu-se vida naquele lugar”.
A antiga aluna e agora professora universitária, Maria José Cunha, não concordou com o encerramento da escola primária: “Tenho pena que a escola tenha fechado. Tenho pena que se tenha perdido o lado simbólico das escolas primárias. A própria arquitetura familiar. Há um lado bucólico que não nos apercebemos em criança”.
A questão da reabilitação das diferentes instalações escolares foi o assunto que sucedeu à problemática dos encerramentos. Várias sugestões foram apresentadas pelos alunos entrevistados que gostavam de ver a sua escola servir de instituição para outros fins, evitando o seu completo abandono e degradação.
Maria José Cunha refere que o seu plano de reabilitação para a escola passaria por juntar os mais idosos aos mais novos e não deixar que a escola “perdesse as suas características pedagógicas”. A antiga aluna propõe a criação de ateliers e workshops, “quase como um A.T.L.” ligado às tradições de Perre onde o núcleo cultural é tão forte. Por outro lado, a antiga estudante Vanessa Fonte sugere que a escola seja utilizada como um local para as “aulas de ginástica ou fitness”. Já Vera Freixo acrescenta que um centro de dia para os idosos seria uma boa ideia, visto que “existem muitas pessoas que passam todos os seus dias fechadas nas suas casas e assim poderiam conviver um pouco”.
Depois do encerramento da Escola Primária de S. Gil, outras escolas também encerraram no distrito de Viana do Castelo, entre elas, a Escola Primária do Calvário em Perre. Os alunos, anteriormente transferidos para esta instituição, foram deslocados para um novo edifício, o Centro Escolar de Perre que alberga hoje cerca de 80 alunos.
Segundo os dados disponibilizados pelo jornal Público, em mais de uma década, foram encerradas mais de 6500 escolas do primeiro ciclo e construídos 332 novos centros escolares. Em cinco anos, o distrito de Viana do Castelo perdeu 162 escolas do primeiro ciclo.
Segundo o Ministério da Educação e da Ciência, esta decisão representa “mais um passo na melhoria da escola pública”. O encerramento destas escolas primárias permite a melhoria da qualidade de ensino graças à construção de estabelecimentos de ensino com infraestruturas e recursos que permitem melhores condições para o sucesso escolar das crianças.
Mas existe sempre um senão no que se refere às medidas operadas no campo da educação. Deste processo resultaram alterações para a vida escolar dos alunos, das famílias e das escolas, que tiveram que se adaptar, num curto período de tempo, às condições que foram oferecidas pelo Governo.
Atualmente encontram-se em funcionamento 2330 escolas do primeiro ciclo. O Ministério da Educação e da Ciência confirmou que o programa de reorganização da rede escolar está concluído e, pela primeira vez em mais de uma década, um novo ano letivo começou sem encerramentos.
Dois anos antes, a instituição contava com cerca de 20 alunos, facto que contribuiu para o futuro encerramento definitivo da escola. “Os alunos foram diminuindo aos poucos”, aponta ainda Vanessa. Vera Freixo, outra antiga aluna que saiu da escola em 2004, refere que na sua classe eram “apenas quatro alunos”.
Para além da redução do número de alunos, outro fator que levou ao encerramento da escola de S. Gil, em 2006, foi a existência de outra escola primária na freguesia. A Escola Primária do Calvário era um edifício maior, com mais condições e com uma maior capacidade para acolher um número mais elevado de alunos. “A escola de cima [Escola do Calvário] tinha melhores condições que a nossa, bastava ter cantina”, comparou a professora Ana Maria Dantas.
O encerramento da Escola Primária de S. Gil não foi um caso único tanto no distrito de Viana do Castelo como em Portugal. Desde 2002, a reestruturação da rede escolar tem sido uma constante no sistema educativo português. A desadequação das instalações, o isolamento do trabalho docente, as limitadas oportunidades de socialização dos alunos e as carências registadas ao nível dos resultados escolares são os argumentos utilizados pelo Governo para justificar o encerramento de milhares de escolas do primeiro ciclo do ensino básico. Esta reorganização da rede escolar determinou o encerramento das escolas com menos de 10 alunos.
Estes encerramentos levaram a uma luta constante por parte das juntas de freguesia para evitar que as escolas fechassem e, posteriormente, fossem deixadas ao abandono. A Junta de Freguesia de Perre assinou um protocolo, de 10 anos, com a Câmara Municipal de Viana do Castelo para que lhe fosse cedida a escola de S. Gil. Desta forma, a instituição podia ser usada pelas Associações Culturais da freguesia. “A junta e a assembleia de freguesia já decidiram o que fazer com a escola, cede-la às duas únicas associações desta terra que se mostraram interessadas em dispor dela. Terão condições de exercer a atividade deles. Mas não é algo definitivo, são contratos de dois anos e vão-se renovando”, explica Vasco Cerdeira, enquanto atual Presidente da Junta de Freguesia.
Contudo, um ano depois da assinatura do protocolo com a Câmara Municipal, a escola de S. Gil não foi entregue à Junta de Freguesia e é utilizada pela “Marionetas, Atores e Objetos” (MAO), uma associação cultural de Viana do Castelo. Esta apropriação do edifício é, de certa forma, ilegal porque foi feito um pedido formal pela junta de freguesia para que esta associação abandonasse as instalações. Por outro lado, também não beneficia a população da freguesia de Perre, uma vez que se trata de uma associação do distrito que não contacta com a população local.
O encerramento da escola de S. Gil não agradou aos antigos alunos e professoras. “Fiquei bastante dececionada porque é e sempre será a escola da minha infância e custa ver que agora não passa de uma casa abandonada”, lembra, com mágoa, Vera Freixo. A antiga aluna acrescenta ainda que “foi estranho não ter o movimento e o barulho das crianças que antes era habitual”. Um local onde emanava alegria e afetividade entre professoras e alunos, tornou-se um local completamente diferente. Para a professora Ana Maria Dantas “perdeu-se vida naquele lugar”.
A antiga aluna e agora professora universitária, Maria José Cunha, não concordou com o encerramento da escola primária: “Tenho pena que a escola tenha fechado. Tenho pena que se tenha perdido o lado simbólico das escolas primárias. A própria arquitetura familiar. Há um lado bucólico que não nos apercebemos em criança”.
A questão da reabilitação das diferentes instalações escolares foi o assunto que sucedeu à problemática dos encerramentos. Várias sugestões foram apresentadas pelos alunos entrevistados que gostavam de ver a sua escola servir de instituição para outros fins, evitando o seu completo abandono e degradação.
Maria José Cunha refere que o seu plano de reabilitação para a escola passaria por juntar os mais idosos aos mais novos e não deixar que a escola “perdesse as suas características pedagógicas”. A antiga aluna propõe a criação de ateliers e workshops, “quase como um A.T.L.” ligado às tradições de Perre onde o núcleo cultural é tão forte. Por outro lado, a antiga estudante Vanessa Fonte sugere que a escola seja utilizada como um local para as “aulas de ginástica ou fitness”. Já Vera Freixo acrescenta que um centro de dia para os idosos seria uma boa ideia, visto que “existem muitas pessoas que passam todos os seus dias fechadas nas suas casas e assim poderiam conviver um pouco”.
Depois do encerramento da Escola Primária de S. Gil, outras escolas também encerraram no distrito de Viana do Castelo, entre elas, a Escola Primária do Calvário em Perre. Os alunos, anteriormente transferidos para esta instituição, foram deslocados para um novo edifício, o Centro Escolar de Perre que alberga hoje cerca de 80 alunos.
Segundo os dados disponibilizados pelo jornal Público, em mais de uma década, foram encerradas mais de 6500 escolas do primeiro ciclo e construídos 332 novos centros escolares. Em cinco anos, o distrito de Viana do Castelo perdeu 162 escolas do primeiro ciclo.
Segundo o Ministério da Educação e da Ciência, esta decisão representa “mais um passo na melhoria da escola pública”. O encerramento destas escolas primárias permite a melhoria da qualidade de ensino graças à construção de estabelecimentos de ensino com infraestruturas e recursos que permitem melhores condições para o sucesso escolar das crianças.
Mas existe sempre um senão no que se refere às medidas operadas no campo da educação. Deste processo resultaram alterações para a vida escolar dos alunos, das famílias e das escolas, que tiveram que se adaptar, num curto período de tempo, às condições que foram oferecidas pelo Governo.
Atualmente encontram-se em funcionamento 2330 escolas do primeiro ciclo. O Ministério da Educação e da Ciência confirmou que o programa de reorganização da rede escolar está concluído e, pela primeira vez em mais de uma década, um novo ano letivo começou sem encerramentos.